Crítica: Thunderbolts*

Apesar de certas exceções, a Marvel Studios não estava no seu melhor nos últimos anos presa em uma fórmula desgastada, uma infinidade de projetos redundantes e uma falta de foco onde não se via o charme e diversão que o MCU tinha no passado e que conquistaram tanta gente.

Mas contrariando todas as expectativas, Thunderbolts* chegou discreto e cheio de força seja pela dinâmica dos personagens tão orgânica ou no fato de que a direção de Jake Schreier e o roteiro de Eric Pearson e Joanna Calo buscam entregar uma produção muito sólida de espionagem e ação tática que evita CGI, explora temas de saúde mental e dá a Florence Pugh o estrelato na liderança de um time de improvavéis heróis enfrentando mistérios, demônios internos e um mundo cansado.

A proposta da trama é simplória, depois de se verem presos em uma armadilha preparada por Valentina Allegra de Fontaine (Julia Louis-Dreyfus), esse grupo de rejeitados devem embarcar em uma missão perigosa que os forçará a confrontar os cantos mais sombrios de seus passados. Mas esse talvez seja a grande natureza desse longa que o torna um dos melhores da Marvel.

É um filme sucinto, mas que esbanja ideias, camadas e certo refinamento técnico enquanto de improviso em improviso por sobrevivência, a gente conhece melhor quem são essas pessoas quebradas. A ação é muito menos confusa, pois há uma noção clara dos eventos seja em combates corpo a corpo como em perseguições e inesperados atos de heroísmo.

A estética sombria e monocromática destaca as emoções desses personagens e a química do elenco é explosiva e talvez seja uma das melhores desde os Vingadores originais. Tudo aqui sabe exatamente o momento de ter o peso dramático ou de usar do humor e interações caóticas do grupo, há uma aura meio tragicômica neles e certo humor autodepreciativo enquanto isso jamais diminui seus dramas humanos.

Logicamente, a estrela é Florence Pugh como Yelena que reúne graciosidades e dores guiando o foco emotivo da história juntamente de Lewis Pullman como Bob, mas há ainda um grande apoio em uma versão remodelada de Fantasma vivida por Hannah John-Kamen, o divertido e representante do coração do grupo em David Harbour como Guardião Vermelho e os carismáticos Wyatt Russell como John Walker e Sebastian Stan como Bucky.

Com uma equipe técnica que em grande parte traz nomes da A24, a gente percebe que isso acaba por gerar um polimento maior na trilha sonora bem experimental e atmosférica de Son Lux ou na montagem de Harry Yoon.

Esses são pequenos detalhes, mas que criam a diferença em Thunderbolts* que acaba sendo uma história cheia de conceitos criativos e mais voltada a um “pé no chão” que emula bem mais do que são os gibis da Marvel, personagens humanos que ultrapassam seus problemas, formam uma união e alcançam o patamar heróico.

O segmento político deve ser o aspecto que pode dividir o público, apesar de funcionar melhor que certas partes do Capitão América recente. O conceito de uma diretora da CIA envolvida em diversos crimes e abuso de poder sofrendo Impeachment e a sua “queima de arquivo” querendo um acerto de contas é bem interessante, mas o filme tem mais vontade em usar o cenário político do que de fato debater política.

Mas acaba ajudando muito em explorar certas questões em Bucky, a sua dificuldade em seguir em frente e como tudo é mais fácil para ele sendo o Soldado Invernal além de trazer uma certa autoconsciência no subtexto da produção em relação a Marvel. Valentina deseja apagar seus erros e criar o super-herói perfeito para superar a lacuna dos Vingadores é exatamente o MCU de certa maneira.

E até mesmo esse cansaço dos personagens também parece dialogar com cansaço com super-heróis e a resposta que a direção e essa história oferece é que se trata de humanidade.

Personagens com falhas que se consideram menos do que outros, mas que em uma situação de proporções gigantescas se tornam os heróis que nunca pensaram que poderiam ser para esse mundo.

E nunca deixando de ser uma história sobre vulnerabilidade de pessoas incorrigíveis onde Pugh canaliza toda a força do longa ao lado de Lewis Pullman e vemos tanto o pior deles, mas eventualmente também nos leva para a glória em uma evolução orgânica dos temas e com um dos melhores terceiros atos de um filme do estúdio.

Thunderbolts* é sobre novos caminhos na vida em um mundo que foi tomado por uma atmosfera pesada, mas que há ainda mais a ser feito do que se lamentar pelos erros. Mas também é sobre a Marvel se lembrando de contar boas histórias que sejam sinceras no humor, na emoção e que entendam para onde devem ir com seus conceitos entregando personagens que conectem com o público e usando rotas mais criativas e contidas.

Otávio Renault
Nascido em São Joaquim da Barra interior de São Paulo, sou um escritor, cineasta e autor na Cine Mundo, um cinéfilo fã de Spielberg e Guillermo del Toro, viciado em séries, leitor de quadrinhos/mangás e entusiasta de animações.